Literatura em prosa

   


OFICINA DE CRIAÇÃO LITERÁRIA
AS MENINAS DE CORES DIFERENTES
Orientadora: Marísia de J. F. Vieira
        

Alguns trabalhos:


Dava para ver de longe o sonho secreto daquelas meninas.

Estavam distraídas, alheias ao meu olhar atento.

Acho até que ninguém mais via, de tão ocupados em seus mundos particulares.

Vai ver era loucura, pensei, mas eu via.

Em cada movimento, de seus seres se desprendia translúcida aura colorida.

Estranhos matizes, verde, laranja, lilás... , em ondas se moviam.

Ignorei os comentários, o senso crítico dos passantes.

Preferi continuar sendo plateia daquela inquietante dança.

Os outros continuariam enxergando as pobres meninas de roupas maltrapilhas

revolvendo o lixo.

Bel Plá

Meninas branquelas, moreninhas, amarelas, vermelhas, meninas coloridas,

lindas, atraentes, simpáticas. Mas o que a mim encanta é a coloração interior.

Qual a diferença do coração da branquinha, da loirinha ou amarelinha, do

coração da mais escurinha? Anatomicamente, por dentro, somos todos iguais.

Qual a diferença, já que não há um ser idêntico ao outro?

Eu lhes digo, é a cor da alma, sua luz, seu brilho.

Aí está a diferença das meninas em questão.

O que as difere umas das outras é sem dúvida o trinômio: cérebro – alma –

coração.

Linda


Elas correm, com a liberdade das borboletas... com a ousadia dos pássaros em revoada, desenhando figuras harmoniosamente dispostas, buscando longe inspiração, horizonte.


Assim, por vezes desordenadas, conseguem coordenar ideias, ideais, numa dimensão infinita. Se juntas, são feixe, e se unem para acumular força, buscar o intransponível.


Quando dispersas, cada uma emite sua luz, e se propaga, contrastando com a luminosidade do céu, espargindo o seu tom individual, que vem do interior das suas pupilas, a visão que cada um percebe o seu mundo existencial, cujas nuances refletem as pedras preciosas, contidas na Natureza!


São as Meninas dos Olhos de que somos Guardiões!


Maria Tereza Alves Girão


Ana nasce ruiva. O cabelo vermelho, as pintas vermelhas e o sorriso vermelho. Sim, vermelho! Vermelho lembra luz, calor e alegria. Assim é Ana. Um sol radiante. Um amor que aquece a alma e nutre o espírito.


Já Clarice nasce cor de rosa. Parece um chantilly. Ela é como um bolo de aniversário. Dá água na boca. Nas festas de aniversário das crianças, ela se confunde com a decoração. É um sonho feito gente. Tudo nela e dela é rosa. As cortinas do lindo quartinho, as fitas dos lençóis, a cama e a boneca Sissy.


Marina nasce azul como o céu. Em dia de céu de brigadeiro não se sabe onde começa um e termina o outro. É uma paz olhar para ela. Amá-la. Beijá-la. O olhar reflete o frescor das meninas de 15 anos. A curiosidade da descoberta. O ponto de interrogação na ponta do nariz.


A quarta amiga nasce branquinha como os lírios do campo. Na praia de Salvador, ela é o ponto mais alvo das areias quentes em contraste com a negritude de seu povo.


As quatro são lindas. Cada uma do seu jeito. Cada uma da sua cor! Cada uma com a sua esperança.


Terezinha Lorena

Vísceras à flor da pele


Eu vi uma melancia jogada na rua com as entranhas expostas. A carne vermelha à mostra. As pessoas passavam indiferentes por ela e nem ouviam o pranto de dor. Os pontos pretos da fecundidade perdiam-se na sola dos sapatos e nos pneus dos carros. Foi uma vida em vão. Nem alimentou a quem tem fome e nem deu de beber a quem tem sede.


Terezinha Lorena Pasqualotto

Conto minimalista:

Técnica: Circuito-fechado

Uma história de amor


Juventude, paixão, loucura, desejo, ciúme. Decisão, fidelidade, amor, alegria, filhos, trabalho, respeito, adaptação, renúncia, evolução, maturidade. Velhice, sabedoria, aceitação, amizade, apoio, perdas, ganhos, lealdade, netos, ternura, apego, trocas, limites. Casamento, 52 nos- cpmpletude.

Lia Bachettini

As cinco Marias
Dorinha entrou na feira de artesanato e notou as cinco marias:
"Feitas de algodão, areia e alegria". Agarrou-se ao saquinho estampado enquanto corria para casa. Éramos as cinco Marias: Maria das Dores, Maria Helena, Maria das Graças, Berenice Maria e Maria de Lourdes. Abriu a embalagem com as mãos trêmulas delas caindo cinco pacotinhos multicoloridos e foi como abrir a caixa de Pandora: toda dor, culpa, tristeza, raiva e insegurança explodiram junto a um caudal de lágrimas. Éramos as cinco Marias! Meu Deus, o que restou? A aflição tomou conta de Dorinha. Que mundo estranho e tolo este! Não há finais felizes! Olhando pra trás o que se vê é a conformidade com o acontecido, mágoas empurradas bem pro fundo por preguiça ou temor. Não se comenta, não se explica. Silêncio absoluto sobre a vergonha.
"Joga-se todos os saquinhos no chão. Pega-se um, atira-se para cima. Toma-se um do chão e recolhe-se o do ar. Joga-se assim com todas as pedras."
Das cinco Marias, a mais velha, é ambiciosa, quer estudar e conhecer o mundo. A segunda, bem clara de cabelos escuros quer casar e ter filhos. A terceira romântica e ingênua quer viver um grande amor. A quarta e a quinta, jovens demais para saber o que querem.
"Pode-se jogar também, atirando-se uma para cima, pegando os saquinhos dois a dois, recolhendo o do ar."
Das cinco Marias, a mais velha foi para o colégio interno, as duas do meio se apaixonaram e as duas menores ainda eram jovens demais para decidir suas vidas.
"Outra forma de jogar é com os saquinhos no chão, atirar um para cima, pegar dois recolhendo o do ar, pegar três recolhendo o do ar."
Das cinco Marias, duas morreram de amor e três sobreviveram porque só isso podiam fazer.
Vilma Ávila Vianna
Querer


As vezes temos o caminho certo para seguir, ele esta ali bem a nossa frente, e não o seguimos, pois o caminho certo sempre é o mais difícil de ser trilhado.

E sabe-se la o porque desviamos a nossa atenção de seguir este caminho

E por escolher o caminho errado acabamos nos decepcionando , e vendo o erro que cometemos.

Para seguir o caminho certo sempre será um passo de cada vez, uma semente em cada canteiro, regando nossas pequenas sementinhas de amor, caridade com o próximo.

Nada cai do céu, se queremos algo devemos ter um foco e querer muito que isso aconteça

Pois a relização de um objetivo esta no querer, não depende de ninguém além de nós mesmos.


Jaquepel


PROCURA

Com os pés descalços,caminhei sobre as escaldantes areias da imensa praia da minha solidão.


Vi a vastidão do mar e o horizonte, onde o sol, aos poucos, ia se escondendo envolto em enorme manto rutilante.


E, maior é o manto negro da noite, que o cobriu totalmente.


Senti o frio do esquecimento... Dos meus lábios trêmulos,saíram apenas estas palavras: Onde estás?


Vi sobre o mar, pairando, somente os teus olhos e deles gotejavam lágrimasde sangue, que caíam sobre as ondas agitadas.


Quiz recolher as lágrimas que se perdiam sobre a espuma revolta mas, elas se transformaram em corais, nas profundezas imensuráveis.


Compreendi que nos separa a imensidão do mar!


Permaneci ali por muito tempo, absorta,atés entir que as ondas banhavam meus pés, enquanto meu pensamento voava para onde está minha Alma-Gêmea.

Reyzina Vianna Ramos

A natureza chora...


Onde fica escondida a tal de consciência?

Essa tão exclamada consciência, que nos coloca num patamar mais elevado no caminho da evolução humana.

Chutando quilos de santinhos e de bandeiras espalhadas pelas ruas, pelos gramados e avenidas, como se fora um triste andor caído, cidadãos rumaram até sua sessão eleitoral, numa estranha procissão.

Papéis que foram jogados na noite anterior, para assinalar o término da campanha eleitoral, num ritual assemelhado a um carnaval ultrapassado.

Jogados ao vento, na correnteza de uma sarjeta, fragmentos de um modelo insustentável, testemunhas incontestáveis de uma necessidade urgente de tomada de consciência.

A natureza chora...

... e a alma do poeta também chora...

Mas, não perde a esperança.

Bel Plá


CINCO DIAS DE LIBERDADE


A excursão à Bahia era seu grande sonho.


Finalmente cinco dias de inteira liberdade para quem vive o dia-a-dia da casa para o trabalho. Inúmeros afazeres, bancos, contas, atividades diversas, academia para manter a forma e a saúde, muitas vezes abaladas pelo extresse no final do dia.


Após descer do avião, Sandra dirige-se ao hotel. Enquanto o carro percorre as ruas movimentadas, seus olhos percorrem a cidade como se quisessem guardar todo o encanto, cada detalhe.


Chegando ao restaurante, escolhe uma mesa ao lado da vidraça, onde pode observar o encontro azul de céu e mar.


Uma senhora aproxima-se da mesa, sorrindo. Blusa enfeitada com babados deixa à mostra seus ombros dourados pelo sol. Seu traje típico lembra à Sandra que o sonho é realidade.


Escolhe vatapá e suco de laranja para o primeiro almoço na Bahia.


Força revigorada, levanta-se, dirige-se à porta e, abrindo os braços, saúda a natureza.

Ana Maria Osório


FALAR EM CRENÇA


É muito difícil falar-se em crenças. Cada um tem, a seu modo, a sua.


Elas existem e são as mais diversas.


Os povos primitivos, no momento em que se viram sob as condições do ambiente em que viviam, muitas vezes desfavorável, passaram a adorar ou a temer o sol, o relâmpago, o fogo... e muitos animais eram considerados sagrados.


Surgiram as religiões que se diversificaram e, com elas, os deuses para os politeístas e o Deus que os cristãos acreditam existir como sendo o único. Eis o monoteísmo.


Algumas pessoas dizem não acreditar em nenhum deus, se dizem ateus. Exemplo de um amigo de minha família. Foi surpreendido, quando a filha estava muito doente, falando: "Se Deus quiser ela vai ficar boa". Intrigou-me tal atitude, talvez porque na hora do aperto, a fragilidade humana faz com que apelemos para tudo, é a vida que está em jogo, então é um "vale tudo".


Um exemplo de crença em vários deuses é da Umbanda onde existem: deus da guerra (Ogum), deusa dos mares (Yemanjá), deus das florestas (Oxossi) e por aí vai...


Os gregos já possuíam classificação por divindades: Marte (deus da guerra), Diana (deusa da floresta), Cupido (deus do amor)...


É incrível que em pleno século XXII ainda existam consagrações desse tipo. Quer exemplo mais extravagante do que o da Índia onde a vaca é um animal sagrado?


Eu... "Creio em Deus Pai"... assim aprendemos, em pequenos, no estudo religioso (catecismo). A grande maioria das religiões faz de Deus uma figura antropomórfica e, nestas representações, as aparências são as mais diversas, de acordo com a raça e a religião de quem imagina o deus a ser representado.


Eu creio e minha crença talvez seja considerada panteísta porque acredito numa Energia Superior, Universal, que se divide em muitas energias: vegetal, anima, mineral e humana. Admiro profundamente uma flor, uma árvore, um lago, uma pedra, um animal... sei que, em cada um, a Energia Superior está presente. Assim essas energias estão presentes e se multiplicam nas montanhas e no grão de areia, na gota d'água e no oceano, na célula e no ser vivo, incluindo o Homem.


Quando veja a brotação, a floração de uma planta, o canto e o vôo de um pássaro, o sorriso de uma criança ou os cabelos brancos de um ancião, fico pensando: isto é a presença de Deus, do meu Deus, do Deus de nosso coração.


É a este Deus meu que peço piamente para mim e para todos: SAÚDE, PAZ e AMOR!

Marísia Vieira

DOR


Não sei sofrer sem buscar compreender.

Não tentaria contar a dor. Ultrapassa a qualquer palavra. Não é descritível. Não é consolável. O coração dói. Ferida exposta, oculta no peito. Dor de impotência. Revolta, tristeza quase insuportável, desumana...

Nunca esquecerei as dores que vivenciei em família, profundas, nítidas, marcantes, indeléveis.

Não separo a dor física da moral. Inseparáveis. Irmãs gêmeas na gestão e parto.

Sofrer... Imponderável. Incompreensível e revoltante. Leva-nos a questionar o próprio Deus. Comparo-me à paixão, ambas são avassaladoras; deturpam nosso pensamento, atrapalham nossas ações.

A noite avança em horas lentas. Não sinto sono. Sinto-me envolvida pelos meus fantasmas. Caminho pela casa silenciosa, nada me tranquiliza... Não sei o que procuro. Cansada desta peregrinação encontro refúgio no pequeno escritório, com prateleiras plenas de livros; tesouros! Eles me fazem fugir à triste realidade de vivenciar problemas maiores.

Olho a cadeira de leitura. Ela sim, me atrai. Como o colo materno sempre pronto a me receber sem queixas.

Vejo o computador, agora mudo, desligado, esperando mais um dia, quem sabe, novas esperanças? Assim cheguei até a escrivaninha em busca de caneta e papel, eternos e mudos amigos eternamente dispostos a receber meus pensamentos sem contestação.

Nesse momento, escrevendo mil pensamentos que surgem do silêncio, me sinto feliz, mas com remorso por ter abrandado a dor. As palavras vão surgindo enchendo a folha com pensamentos atropelados, tendo pressa de serem explicitados. Medo de que sejam esquecidos.

Maria de Lourdes Poetsch



Dedução tardia


A escuridão era total. Não havia sequer uma réstia de luz e nenhum ruído chegava aos seus ouvidos, a não ser o louco palpitar do coração. Sentia as mãos cruzadas sobre o peito e não conseguia movê-las. Aliás, só conseguia mesmo, movimentar os olhos na busca nervosa por um pouco de luz e muita explicação para tudo aquilo. Onde estava afinal? Pela aspereza do tecido nas pernas, sentia não estar de pijama e sim de calças de lã. O colarinho da camisa também estava abotoado e tinha vontade de abri-lo. O ar começava a faltar-lhe.

Precisava muito acalmar-se, controlando também a respiração, naquele ar rarefeito, impregnado de um aroma nauseabundo; uma mistura de flores emurchecidas e desinfetantes. Aos poucos, percebia que o calor ia se tornando maior, quase insuportável, uma vez que além da camisa totalmente abotoada estava de gravata e casaco, ou seja, completamente vestido. Mas assim de terno, por que estava deitado em decúbito dorsal, com um travesseiro tão baixo, com as mãos entrelaçadas e em total escuridão? Estaria sonhando? Ah! Se pelo menos pudesse desenlaçar os dedos para coçar o nariz! Debalde.

Seus dedos pareciam enrijecidos. Há quanto tempo estaria ali, assim? Até que o leito, não era totalmente desconfortável. Se ao menos conseguisse virar-se um pouco para o lado, mas quê! O importante era saber onde estava e a razão de estar ali deitado, completamente vestido.

Repentinamente, sentiu uma sacudidela e depois um balançar contínuo, às vezes para um lado, às vezes para o outro, sem contudo, uma cadência. Por um tempo que lhe pareceu longo, as coisas seguiram assim, cessando então, abruptamente. Abruptamente, também, um facho intenso de luz invadiu seus olhos, ofuscando-os. Mãos de alguém, pensando talvez, fazer um gesto de caridade, cerraram suas pálpebras. Agora sabia: estava sendo sepultado vivo e nada poderia fazer para que percebessem isso.

Antonio Miguel Albaini


A POESIA - CASTRO ALVES

14 de MARÇO - DIA DA POESIA

Esta homenagem é para ANTONIO FREDERICO (DE) CASTRO ALVES,
nascido - 14 de março de 1847 - e falecido - 6 de julho de 1871 -
na Bahia.
Escreveu ele sobre a Poesia, em estrofes de 'Sub Tegmini Fagi':

"A poesia - é uma luz...
- é o pirilampo...
P'ra voar... p'ra brilhar."

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Brilhe a poesia sempre a voar como um pirilampo...
Nós seremos melhores... o mundo será melhor!

Que o poder da palavra de CASTRO ALVES e sua agudíssima
emoção sejam luz para o coração de todos os POETAS

Abraços líricos

lilu


QUANDO A NOITE SE FAZ DIA...

Quando a noite se faz dia... é quando nos sentimos, interiormente iluminados por emoções que nos transformam em seres positivos ou negativos, quanto à luz ou à escuridão.


A noite sempre nos traz a expectativa de um céu azul povoado de estrelas.


O dia, podemos interpretá-lo como claro e límpido, ou com muitas nuvens e ensombreados, meus pensamentos é que lhe darão a tonalidade com que meu ser o vê.


Assim é a vida ou "noite escura" ou "dia límpido" pleno de esperança e amor. Nossa força e convicção fará e dará a tonalidade ideal.

Jacyra Felix de Souza


Intensamente


Encostou-a no primeiro anteparo que lhe desse segurança.


Rápido, a despiu o que bastasse. Fez-se, mais rápido ainda, intensamente desejo, sem qualquer reflexão. Não mediu impasses.


De um olhar nasceram formas abstratas sobre outras singulares como se jamais tivessem sido vistas. Fortes movimentos surgiram tão dilaceradamente doces como a doçura trazida no coração. A saudade, sagrada antes, agora era transfiguração profana... e assim também o amor derramado naquele encontro cintilante de sedução. Silêncio total... para não derrubar o instante... para não perturbar o encanto.


Lígia Antunes Leivas


SE EU NÃO TIVESSE NASCIDO


Se eu não tivesse nascido eu ficava triste. Estas palavras foram proferidas por um menino de dois anos e meio de uma escola de educação infantil portuguesa, após ouvir sua professora ler um poema.


A frase que inicia este texto é carregada de uma simbologia que não há palavras que se ajustem muito bem à grandeza de seu significado pelo sentimento tão cheio d mistério humano que encerram. Ainda mais que esse sentimento expressado em palavras tenha sido proferido por uma criança ainda não alfabetizada.


Para lá da importância da leitura que deve ser estimulada desde muito cedo, tanto na sala de aula quanto pelos pais, abre um leque imensurável à interpretação e significado expressado por aquela criança, que naquele momento construiu já um verdadeiro poema.


Sem arroubos filosóficos, ou teológicos, a querer desvendar tais mistérios, tento através da poesia um mínimo de entendimento, do formidável mistério que é o ser humano.


A poesia para lá da tradução que o dicionário nos dá, como a arte que se distingue tradicionalmente da prosa pela composição em verso e pela organização rítmica das palavras, aliada a recursos estilísticos e imagéticos próprios, é o mistério que faz brotar sentimentos inexplicáveis, mesmo numa criança de dois anos e meio de idade.


Não é por acaso que ainda hoje recordo de alguns poemas que minha professora de saudosa memória, do primário, costumava declamar para seus alunos nos sábados de manhã na sala de aula. Muito devem ter contribuído esses momentos do culto ao belo, aliado a uma natureza exuberante que me cercou nos meus verdes anos, para já homem feito ousar para não dizer, sentir a necessidade de tecer em versos essa teia da vida feita de muitos retalhos.


Há pessoas, que dizem não gostar de poesia, coisa que eu sinceramente duvido, talvez o que elas queiram dizer seja que, não gostam de versos, pois nem sempre um verso, é um poema, portanto é bom não confundir as coisas. Há versos que não passam de simples prosa versificada sem um mínimo de poesia. Já o contrário acontece quando a prosa é poética.


Mas então o que é a Poesia, que roupagens ela veste, onde é que tal senhora mora?


A poesia, simplificando é tudo quanto é belo e sublime; é tudo que nasce do coração e brota da alma; é ideia que abrange tudo quanto é belo existente no infinito.


Poderíamos de maneira simples dizer; a poesia é a uma fada maravilhosa, que reveste todas as formas, todos os sentimentos exprime. Umas vezes é linda zagala, correndo descuidada, por montes e várzeas; trepa alcantis, solta baladas, desce á deveza, escuta o trinar dos pássaros, brinca com o malmequer silvestre, mira-se na corrente, reclina-se na relva, e acariciada pelos zéfiros, adormece por fim sobre cabeçal de flores. Outras vezes arrebata-se nos louvores do Eterno, e logo com voz flébil, ei-la a gemer queixas, suspirando amores... Correndo espavorida, de madeixas soltas, vem cantar-nos horrores e desgraças, que nos arrancam lágrimas.


É assim a Poesia, que pode ter o apelido de Campestre ou Pastoril; Elegíaca; Lírica; Didática; Trágica; Cómica; Epigramática; Satírica.


Deve ter sido alguma dessas muitas faces da poesia que aquela criança vislumbrou na voz da professora ao ler um poema, na sala de aula que, despertou naquele menino o encantamento pela vida e o fez exclamar: “se eu não tivesse nascido eu ficava muito triste”. É formidável para não dizer maravilhoso, não é?

Não deixemos de nos encantar com a vida, ainda que tenhamos perdido aquele encantamento da criança que um dia já fomos, porque ainda assim vale a pena.

Eduardo de Almeida Farias

Amizade

"Algo que sai de mim ao encontro de uma imagem que se aproxima e me assegura que o conheço antes de ver quem é." Virginia Wolf

Caminhava pelo centro da cidade sem objetivo. Fugia de uma situação insuportável e que, por não poder resolver, me machucava sem trégua. Procurava me distrair olhando as vitrines, as pessoas, os cartazes dos cinemas... O calçadão da Andrade Neves fervilhava - tarde de primavera. Uma mulher atravessava a rua em minha direção, vem banhada de sol e, antes de reconhecê-la, um bem estar me percorre. "Minha amiga, em que boa hora te encontro", diz. O abraço, o sorriso, o convite para o chá na nova casa recém inaugurada na Quinze esquina Mal. Floriano...

O bem que nos fazem os amigos! De modo sutil sua essência se soma à minha e me inunda. Esqueço a dor, o problema que me afligia e, numa conversa leve, mas cheia de significados, no sabor da torta de nozes e do chá, absorvo sua alegria. O carinho e a admiração que demonstramos uma pela outra nos renova. Saímos dali mais jovens, mais esperançosas, mais belas e mais fortes.

A amizade tem este poder de troca e de cura. É um sentimento perfeito pois nele o amor esquece o sexo, o ciúme e a posse e se mostra como Deus o imaginou.

Lia Bachettini

A Voz feminina na escrita

"Quem fala, parece que sou eu, mas não sou. é uma ela que fala por mim?" Clarice Lispector

Esse é um assunto controvertido. Há várias opiniões a respeito, e, depois de refletir, tendo a achar que sim, que há uma voz feminina na escrita. A arte não é neutra a ponto de esconder alguns aspectos como o psicológico e o social. Tudo a influencia, inclusive o gênero, feminino ou masculino.


Uma literatura feminina é singular, no sentido em que os temas são escolhidos dentro de uma visão mais intimista, diferente da literatura masculina, mais voltada para fora. E a biologia explica isso. Como também Erikson, num artigo, apresenta suas idéias sobre "espaço interno" e "espaço externo" e suas implicações psicológicas e culturais, isto é, na escrita.


Se levarmos em conta que "não existe literatura, só biografia" , como dizia Harold Bloom em "A inevitável presença do autor", veremos que não tem como o escritor, seja homem ou mulher, fugir de sua condição. Portanto, concordo com a proposição de que existe uma literatura feminina: aquela que se identifica com os personagens femininos, que falam numa linguagem confessional, de íntimas sensações e sentimentos. Estamos falando na maneira de abordar os problemas existenciais que são diferentes em homens e mulheres.

Maria Elizabete Duro Vianna

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